Pensa só: depois de já ter conseguido um pouco de
tudo o que quis na vida, do que mais você precisa? Se o objetivo era físico,
você se tornou Mister Olympia com 23 anos, e repetiu o feito outras seis vezes.
Se o desejo era ser reconhecido nas artes, antes dos 40 já era um dos atores
mais bem pagos de Hollywood, com um sucesso atrás do outro, apesar de não ser
americano de nascença e falar um inglês joelsantânico. Como se não bastasse,
você ainda teve aspiração política. Filiou-se ao Partido Republicano e foi
eleito, aos 56, governador de um estado que, há duas décadas, é majoritariamente
democrata. Poucos anos mais tarde, acabou reeleito, com mais votos do que na
primeira disputa. Você também se casou com uma Kennedy, teve filhos, amantes e
lançou uma biografia.
Se você for uma pessoa comum, provavelmente já basta, é hora de curtir a aposentadoria. Mas, se você for Arnold Schwarzenegger, não.
—
Eu sempre aceito correr riscos. Nunca virei as costas para algum desafio só
porque ele parecia impossível. Eu enfrento o que tenho que enfrentar, mesmo
sabendo que posso perder ou fracassar. Mas nunca tive medo do fracasso — diz
Schwarzenegger, num tom de discurso político, em entrevista num hotel de
Beverly Hills, Los Angeles. — Essa coisa de encarar desafios vem comigo da
minha história no esporte. Se você quer levantar 200 quilos, precisa tentar e
fracassar várias vezes até conseguir. É um ensinamento que vale para qualquer
situação, até na política. Em 2004, quando era governador, as quatro propostas
que levei para um plebiscito na Califórnia foram derrotadas. Fracassei, e as
pessoas achavam que eu estava acabado. Mas, no ano seguinte, ganhei a reeleição.
Papel de governador
Aos
65 anos, Schwarzenegger resolveu retomar a atividade que menos lhe proporcionou
fracassos. Ele é o astro de “O último desafio”, filme de ação do diretor
sul-coreano Kim Jee-woon, que estreia no Brasil em 18 de janeiro. Trata-se do
primeiro papel de protagonista de Schwarzenegger desde 2003, quando lançou “O
Exterminador do Futuro 3”
e foi eleito pela primeira vez governador da Califórnia. Nesse tempo, o
grandalhão nascido na Áustria, filho de um ex-oficial nazista e que se mudou para
os EUA em 1968, só teve breves participações no cinema, a maior delas em “Os
Mercenários 2”
(2011), o segundo longa-metragem da franquia criada por seu amigo Sylvester
Stallone.
O
que Schwarzenegger fez foi trocar um palco por outro: ele se tornou um típico
político americano, com discursos prontos sobre qualquer situação, até mesmo
sobre o uso excessivo de armas em “O último desafio”. É lógico que o gênero do
filme já deixa claro que haverá armas de fogo o tempo todo pipocando na tela.
Mas, numa cena, o personagem de Schwarzenegger dispara uma metralhadora de
dentro de um ônibus escolar, o que, para um país que ainda lamenta atentados
como o ocorrido em dezembro, num colégio de Connecticut, quando 20 crianças
foram assassinadas, não é nada pitoresco.
—
Eu não acho que alguém vá perder tempo debatendo se “O último desafio” ou
qualquer filme de ação pode influenciar um ato de violência. Há muitos outros
problemas na sociedade que levam a isso, não é um filme que vai fazer uma
pessoa matar outra — limita-se a dizer Schwarzenegger. — Os filmes servem para
entreter. É por isso que faço cinema, para deixar as pessoas satisfeitas. É por
isso também que não faria um filme político. Não acho que é o tipo de coisa que
o público espera de mim.
O
difícil é avaliar se o desejo de agradar à plateia surgiu como causa ou
consequência do envolvimento de Schwarzenegger com o jogo político. Mas é só
conferir o visual do ator para perceber que existe ali um ex-governador —
claramente republicano, por mais moderadas que suas posições tenham sido ao
longo dos dois mandatos. Para a entrevista, Schwarzenegger aparece de blazer
azul, charuto aceso na mão, cabelo penteado para trás e um relógio no pulso
esquerdo que só não era maior do que a fivela oval de seu cinto.
Desde
2011, quando se separou da jornalista Maria Shriver, a sobrinha do
ex-presidente democrata John F. Kennedy com quem foi casado por 25 anos, o ator
não é visto de aliança. Para compensar, usava na mão direita um anel no doce
formato de uma caveira.
Para
Schwarzenegger, ter sido governador foi um aprendizado:
—
Quando você vê os problemas dos outros, aprecia mais as coisas que tem. Você se
senta naquela cadeira e, a cada meia hora, aparece alguém com um problema
diferente. Eu acho que isso pode até ter me ajudado a ser um ator melhor.
Aprendi, por exemplo, que não podia ficar fingindo que sou um garoto de 30
anos. A chave para fazer um filme de ação hoje é ter consciência das limitações
da idade e achar graça disso. É uma maneira de evitar constrangimentos e ganhar
o respeito do público.
Assim,
em “O último desafio”, o papel de Schwarzenegger é de um experiente xerife na
fronteira entre EUA e México que precisa impedir a fuga de um traficante
americano. No elenco, estão Forest Whitaker, Johnny Knoxville, Luiz Guzmán, Jaimie
Alexander e o brasileiro Rodrigo Santoro, todos com peso semelhante: fazer
Schwarzenegger, mais velho e menos ágil, brilhar.
—
Uma coisa em que eu pensava quando me afastei do cinema é que outros heróis
poderiam surgir. E eu imaginava que alguém poderia estar dizendo Schwa... o que
mesmo? — brinca o ex-governardor.
Possível thriller em SP
Só
que o público não se esquece facilmente de “O Predador” (1987), “Irmãos gêmeos”
(1988), “O Vingador do Futuro” (1990) e “True lies” (1994), algumas das
produções que ajudaram a consagrar o ator. Agora, com a política de lado por um
tempo, ele pretende retomar antigos personagens, como os de “Conan, o Bárbaro”
(1982) e “O Exterminador do Futuro” (1984). Ambos os projetos já estão sendo
desenvolvidos, ao lado de novos filmes que podem ter a assinatura do ator — um
deles, em negociação, seria “Captive”, um thriller passado em São Paulo.
—
Uma coisa mudou no cinema de ação. Tirando esses negócios de “Homem-Aranha”, um
filme que era feito com US$ 100 milhões hoje custa US$ 50 milhões. Isso é bom
porque tudo deve ser resolvido mais diretamente, não dá para refazer cada cena.
Filmar ficou mais rápido. Então tenho tempo para muitos outros filmes.
*
Reportagem do Jornalista do O Globo André Miranda.
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