Ex-secretário
nacional de Segurança, o antropólogo Luiz Eduardo Soares discorda do modelo de
encarceramento adotado no Brasil. Para ele, o sistema prisional como está é
incapaz de ressocializar os detentos. Segundo ele, nem sempre o aumento do
efetivo policial resulta em queda dos índices de criminalidade. Soares defende
mudanças no processo de execução penal e maior treinamento dos policiais.
Confira a entrevista que est[a no site do O GLOBO.
GLOBO
- Qual a sua avaliação com relação às políticas de maior encarceramento e maior
efetivo policial na redução da criminalidade?
O
encarceramento tal como tem sido praticado no Brasil é um desastre. Apenas 8%
dos homicídios dolosos são investigados com sucesso. A taxa de impunidade chega
a espantosos 92%, como mostrou o professor Julio Waiselfisz, confirmando como
taxa média para o Brasil exatamente o número que encontrei no município do Rio
em 1994. Por outro lado, graças à iníqua lei de drogas, 65% dos presos no Rio
entre 2006 e 2011 são jovens pobres capturados em flagrante negociando
substâncias ilícitas sem uso de arma, sem vínculo com organizações criminosos e
que não agiram com violência, conforme demonstrou a professora Luciana Boiteux.
Será que depois de quatro anos cumprindo sentenças no inferno das
penitenciárias brasileiras que sequer cumprem a lei de execuções penais eles
vão sair melhores e continuarão sem vínculos com o crime organizado?
Os
R$ 1.500,00 mensais que cada preso custa não seria mais bem aplicados em sua
educação, formação profissional e integração à sociedade? No Brasil, temos a
quarta população carcerária do mundo, 550 mil presos, e a que mais cresce no
planeta: 40% são presos provisórios, dois terços cometeram crimes contra o
patrimônio e tráfico. Apenas 12 mil estão cumprindo pena por crimes contra a
vida. Passamos de 150 mil presos, em meados dos anos 1990, para 550 mil, hoje,
e o número de homicídios dolosos no Brasil tem crescido. Em números absolutos,
em matéria de homicídios dolosos só perdemos para a Rússia. Em 2000, houve
45.433 homicídios dolosos no Brasil e a população carcerária era de 232.755
presos; em 2012, houve 53.016 homicídios dolosos e há 549.577 presos. A única
prisão que faz sentido e reduz a violência é aquela que afasta da sociedade
quem pratica crimes contra a vida. Mas essa não é a prioridade no Brasil.
O
senhor considera importante uma reforma no processo de execução penal, como
forma de reduzir as chances de os detentos retornarem para as ruas antes do fim
da sua pena fechada? Por quê?
Considero
importante que não banalizemos as prisões, que renunciemos ao populismo penal,
que revisemos a lei de drogas na direção da legalização, que recorramos à
privação de liberdade com máxima parcimônia, quando não houver alternativa ante
o risco para a sociedade. Não nos iludamos com o conto de fadas da
"ressocialização". Encarcerar o ser humano nunca o fará melhor. Considero
também indispensável definir a vida como prioridade absoluta. Gostaria que a
justiça criminal deixasse de ser retributiva, isto é, operadora da vingança e
se orientasse para a corresponsabilização, a reparação de danos e a prevenção.
A
questão do preparo policial hoje já é um tema importante. Como colocar mais
policiais nas ruas com as condições de formação que hoje nós temos?
Quanto
ao efetivo policial, nem sempre a quantidade faz diferença e nem sempre essa
diferença é positiva. Depende da qualidade dos profissionais, da formação e do
treinamento, das condições nas quais trabalha -salariais e operacionais - e das
políticas de segurança que lhes cumpre aplicar. De que adianta contratar mais
policiais e lhes pagar salários indignos, dar-lhes armas para que eles saiam às
ruas despreparados, representando riscos para eles mesmos e para a sociedade. O
ofício policial, em todas as áreas, é complexo. Precisa ser valorizado. Às
vezes, menos é mais.
O
estudo do IPEA aponta que a evasão escolar é uma questão importante que afeta
os índices de homicídios. Mas como manter as crianças nas escolas com todos os
atrativos que o mundo do crime pode oferecer aos jovens, como ganho imediato,
poder e etc?
As
escolas têm de conquistar o imaginário e o afeto dos estudantes, e oferecer
desde cedo uma formação moral em tudo distinta do moralismo hipócrita e de
doutrinas. Uma formação para a paz e o respeito ao outro, a democracia e a
participação responsável, e para acima de tudo valorizar a dignidade sagrada do
ser humano. Em suma, uma educação nada tediosa e por tudo fascinante para a
compreensão profunda e o engajamento nos direitos humanos.
O
senhor poderia listar ao menos cinco políticas que considera essenciais para a
redução da criminalidade, especialmente, os homicídios no Brasil?
Haveria
muito mais do que cinco políticas a destacar. Vou mencionar apenas as
principais: reforma das polícias para que operem em ciclo completo com efetivo
controle externo, em jornadas de trabalho racionais e salários dignos, depois
de formação consistente, planejando e avaliando suas ações com base em uma
rigorosa gestão do conhecimento, norteando seu trabalho para o fiel cumprimento
de seu mandato constitucional, respeitando portanto os direitos humanos,
compreendendo que a população pobre é tão destinatária de seus serviços quanto
as elites, e dando absoluta prioridade à vida, o que implica o banimento total
das execuções extra-judiciais. Uma segunda medida, no caso do Rio, seria
utilizar em sua plenitude o potencial técnico das delegacias legais (as
melhores estruturas do país) e multiplicar o número de Áreas Integradas de
Segurança para que cumpram as funções para as quais foram criadas com as
delegacias legais, em 1999. Os demais estados sequer dispõem desse modelo. Uma
terceira medida seria priorizar o controle de armas e legalizar as drogas. Uma
quarta tornar o projeto das UPPs uma verdadeira política pública de
policiamento comunitário, em vez de ocupação militar, articulada a programas
preventivos que valorizem os jovens, reduzam a evasão escolar e estimulem a
criatividade cultural nas favelas e periferias.
Outra
medida seria destinar 40% dos policiais civis à investigação dos homicídios a
partir do tempo zero, deixando que os 60% restantes continuem a cuidar do
passivo (as centenas de milhares de inquéritos inconclusos que dificilmente
terão êxito mas impedem que se melhore o trabalho para o futuro). Isso
significa separar o passado do futuro. Esses 40% se dedicarão exclusivamente a
crimes letais intencionais (homicídios dolosos e roubos seguidos de morte ou
crimes de milicianos). Trabalharão em duplas e cuidarão de um caso por vez
durante um tempo limitado (um mês ou dois), no qual se tenha boas razões para
supor que a investigação terá sucesso. Todo crime desse tipo contará com a
proteção da cena de sua ocorrência pela PM e será periciado por peritos em
unidades móveis. Como cerca de 50% dos homicídios do estado do Rio, por
exemplo, acontecem nas áreas de 10% das delegacias distritais ou das AISPs, e
se concentram nas noites de sexta e sábado, deduz-se que meia-dúzia de unidades
periciais móveis bem equipadas, com três equipes de quatro peritos em turnos de
8 horas, serão suficientes. A delegacia de homicídios do Rio vem fazendo um
grande trabalho. Faria ainda melhor se o plano que sugiro fosse implementado
sob seu comando.
Extraída so Site do Jornal O GLOBO
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