>>Trecho
de reportagem de ÉPOCA desta semana
▪
São Paulo, Brasil, 2010 ▪
"Não
conseguia explicar o que sentia. Parecia existir um deserto dentro de mim.
Acordar e dormir eram os piores momentos daqueles dias de 2010. Na cama,
deitado, imaginava que tudo o que acontecera no dia anterior se repetiria de
novo. E de novo. É como obrigar alguém que gosta de provar novos sabores e
combinações a comer, em todas as refeições, o mesmo prato. Não conseguia me
olhar no espelho. Evitava encarar um reflexo frustrado. Chorava sem motivo.
Machucar gravemente o tornozelo esquerdo, em abril daquele ano, não tirou
apenas minha independência de ir e vir quando desejasse. Roubou o prazer que
sentia todos os dias quando corria na esteira. Apagou minha autoestima. Foi a
primeira vez que experimentei uma profunda tristeza na minha vida, um princípio
de depressão.
Tudo
aconteceu muito rápido naquele final de abril. No dia 27, depois de realizar a
missa da manhã, recebi a visita do embaixador de Roma, Dom Dino Samaja, na
minha sala. Ele disse: ‘Você foi presenteado’. Diante da minha surpresa e da
paralisia pela qual fui acometido, Dom Dino continuou: ‘Você receberá um
prêmio, em Roma, das mãos do (então) papa Bento XVI.’ A cerimônia tinha data
marcada, 22 de outubro. Essa premiação, até então por mim desconhecida, é
concedida pelo papa todos os anos. Cinco pessoas são escolhidas por se destacar
na difusão do catolicismo no mundo. É obrigatória a presença do homenageado. Em
caso de falta, o prêmio é cancelado. Naquele ano, eu seria um dos cinco a
receber o prêmio Van Thuân, com o título de evangelizador moderno.
Dois
dias depois, torcedor fanático do Corinthians, não conseguia dormir por causa
do jogo em que o Flamengo, por 1 a 0, tirou meu time da disputa da Copa
Libertadores da América. Mal-humorado e sem sono, decidi correr na esteira.
Eram 4 horas da manhã. Pratico corrida sempre à tarde ou à noite, a 9
quilômetros por hora. Naquele dia, não era possível esperar tantas horas para
aliviar o estresse. O treino não durou mais que cinco minutos. Tive uma
vertigem, pisei mal na esteira e fui lançado para trás. Na hora, me lembrei de
proteger a cabeça – regra básica das aulas de artes marciais que fiz na
adolescência. Levantei do tombo com dor no corpo, em especial na clavícula.
Decidi procurar ajuda médica. A avaliação mostrou que a clavícula estava bem.
Meu tornozelo esquerdo não. Na queda, rompi todos os ligamentos. A previsão
mais otimista falava em meses de tratamento – e nenhuma viagem. Pensei: ‘Não
vou me recuperar a tempo de receber o prêmio’. Diante desse impasse, o médico
deu duas opções. Uma cirurgia, de resultado incerto, ou centenas de sessões de
fisioterapia. Sem a operação, o tratamento seria mais longo, mas era a única
chance de voltar a caminhar até a entrega do prêmio, em outubro. Optei pela
recuperação em casa." (...)
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