O
Marco Civil da Internet é uma iniciativa legislativa para regular o uso da
Internet no Brasil, por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e
deveres de quem usa a rede, e da determinação de diretrizes para a atuação do
Estado.
Desde
2011, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei número PL 2126/2011. Em
uma perspectiva de garantias de direitos e limitação de deveres, o texto trata
de temas como neutralidade da rede, privacidade, identificação dos usuários,
retenção de dados, a função social da rede e responsabilidade civil de usuários
e provedores.
A
regulação da Internet é mundialmente polêmica. Nos Estados Unidos da América,
tramitam os projetos de lei PROTECT IP Act, conhecido como PIPA, o Stop Online
Piracy Act (ou SOPA). Em nível internacional, tramita o Acordo Comercial
Anticontrafação (ACTA, em inglês Anti-Counterfeiting Trade Agreement), com o
objetivo de estabelecer padrões internacionais para o cumprimento da legislação
sobre marcas registradas, patentes e direitos autorais.
A
Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com o
Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio
Vargas no Rio de Janeiro, lançou em 29 de outubro de 2009 a primeira fase do
processo colaborativo para a construção de um marco regulatório da Internet no
Brasil. Propôs à sociedade eixos de discussão abrangendo as condições de uso da
Internet em relação aos direitos e deveres de seus usuários, prestadores de
serviços e provedores de conexão, e também o papel do Poder Público com relação
à Internet.
Durante
a primeira fase dos debates, entre 29 de outubro e 17 de dezembro de 2009,
foram mais de oitocentas contribuições, entre comentários, e-mails e
referências propositivas em sites. A ideia do Marco Civil surgiu a partir da
concepção do professor Ronaldo Lemos, expressa em artigo publicado em 22 de
maio de 2007.
Partindo
dos debates e sugestões da primeira fase, formulou-se a minuta do anteprojeto
que voltou a ser debatida, numa segunda fase, em processo de construção
colaborativo com participação da sociedade. Os debates públicos dessa segunda
fase foram iniciados em 8 de Abril e encerrados em 30 de maio de 2010.
Após
mais de um ano, em 24 de agosto de 2011, o projeto de lei foi encaminhado à
Câmara, recebido sob o número 2126/2011.
Vários
projetos de lei sobre o tema da regulação da Internet no Brasil já haviam sido
apresentados à Câmara dos Deputados, tanto por deputados da própria casa,
quanto pelo Poder Executivo e pelo Senado Federal. Contudo, ao tramitarem
apensados na Câmara, uma Comissão Especial formada para apreciá-los rejeitou
trinta e oito projetos, após sete audiências públicas, sob a relatoria do
deputado Alessandro Molon. Na ocasião, o deputado concluiu pela
constitucionalidade e juridicidade das proposições e pugnou pela aprovação do
Substitutivo ao Projeto de Lei 2126/11, este de autoria do Poder Executivo.
O
Marco Civil foi descrito pelo então Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto,
como "A Constituição da Internet".
O
Projeto de Lei 2126/11 conta com vinte e cinco artigos, divididos em cinco
capítulos: Disposições preliminares; Dos direitos e garantias dos usuários; Da
provisão de conexão e aplicações da Internet; Da atuação do poder público; e
Disposições Finais. Versa que "O acesso à Internet é essencial ao
exercício da cidadania (...)".
Traz
um rol extenso de direitos e garantias dos usuários, além de definições
próprias dos Sistemas de Informações.
Princípio
da Neutralidade
A
neutralidade da rede (ou neutralidade da Internet, ou princípio de
neutralidade) significa que todas as informações que trafegam na rede devem ser
tratadas da mesma forma, navegando à mesma velocidade, ou seja, na velocidade
da contratação. É esse princípio que garante o livre acesso a qualquer tipo de
informação na rede.
Visando
proteger seus interesses econômicos, muitos provedores de acesso (ISPs)
introduziram práticas ilegais ou prejudiciais ao uso da Internet,
principalmente o chamado traffic shaping. Por exemplo, ISPs tentam evitar que
usuários usem roteadores sem fio, usem VOIP, programas de compartilhamento de
arquivos, diminuem a velocidade em sítios de vídeo e TV, compartilhamento de
arquivos etc.
O
projeto de lei, da forma como tramita atualmente, prevê expressamente a
neutralidade da rede como princípio disciplinador da Internet, em seu Capítulo
I (art. 3º, IV). Por outro lado, o inciso seguinte traz também o princípio
expresso no seguinte texto: "preservação da estabilidade, segurança e
funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões
internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas". Tal texto pode
comprometer a neutralidade da rede no que se refere às restrições de acesso a
determinados serviços e à velocidade irrestrita de conexão pois, em nome de
fictícias estabilidade e funcionalidade da rede, a neutralidade da rede pode
ser mitigada.
Outro
ponto crítico é a delegação de regulamentação das hipóteses de discriminação,
degradação, gerenciamento e mitigação do tráfego ao Poder Executivo (art. 9º, §
1º e seus incisos), por meio de decreto. Discriminação seria o poder de gerenciamento,
por meio de interrupção de uma atividade, serviço, transmissão ou conexão.
Degradação seria a mitigação (diminuição) da velocidade de conexão de algum
serviço, atividade ou transmissão (art. 9º, § 2º, III). As hipóteses estão
assim expressas:
Art.
9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de
tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por
conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo.
§ 1º
A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada por Decreto,
ouvidas as recomendações do Comitê gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e
somente poderá decorrer de:
I -
requisitos técnicos indispensáveis à fruição adequada dos serviços e
aplicações, e
II -
priorização a serviços de emergência.
§ 2º
Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1º, o
responsável mencionado no caput deve:
I -
abster-se de causar prejuízos aos usuários;
II -
respeitar a livre concorrência; e
III
- informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo
aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento ou mitigação de tráfego
adotadas.
§3º
Na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, é vedado bloquear,
monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados,
ressalvadas as hipóteses admitidas na legislação.
Dessa
forma, o dispositivo confere ao Poder Executivo, ouvido o Comitê Gestor da
Internet no Brasil (CGI.br), o poder de regular e abrandar o princípio da
neutralidade da rede.
Reserva
jurisdicional
Segundo
o projeto, a obtenção de dados referentes aos registros de conexões e de acesso
a aplicações de internet será condicionada a prévia decisão judicial específica
e fundamentada. Os dados podem ser requeridos para a formação de conjunto
probatório em ações civis ou penais (caput do art. 17), em caráter incidental
ou autônomo, desde que apresentados fundados indícios da ocorrência do ilícito,
justificativa motivada da utilidade dos registros e o período ao qual se referem
os registros.
Responsabilidade
dos provedores
Versa
o projeto que "O provedor de conexão à Internet não será responsabilizado
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros." (art.
14).
O
assunto é importante, na medida em que há decisões judiciais condenando os
provedores por seu conteúdo, publicado pelos usuários da rede, por ação ou
omissão. Com efeito, os provedores de conteúdo (ou de aplicações) alegam que
não dispõem de meios técnicos e humanos para fiscalizar previamente todo o
ambiente virtual.
Art.
15. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, o
provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após
ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos
limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar
indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições
legais em contrário.
Parágrafo
único. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de
nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como
infringente, que permita a localização inequívoca do material.
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