Por Luciano Martins Costa, do
Observatório da Imprensa
Reportagem
do Estado de S. Paulo apresenta, na edição de sexta-feira (11/10), os
resultados de uma ampla investigação do Ministério Público Estadual paulista
sobre a organização criminosa chamada PCC – Primeiro Comando da Capital. O
retrato é assombroso, não apenas porque revela o poder de uma quadrilha que
domina os grandes presídios de quase todo o país e atua até mesmo em países
vizinhos, mas porque dá uma ideia clara de sua sofisticada organização e da
facilidade com que atua.
Trata-se
da maior operação já realizada pelo Ministério Público, que exigiu três anos e
meio de trabalho e da qual resulta a apresentação de 175 denúncias e pedidos de
internação de 32 presos em regime disciplinar mais rigoroso. Foi juntando
evidências, gravações de conversas telefônicas, depoimentos de testemunhas e
dados esparsos sobre apreensões de drogas e armas que os investigadores
compuseram o corpo principal do inquérito.
O
organograma do poder no crime organizado, que o jornal paulista publica em meia
página, revela a estrutura de uma grande empresa, contando até mesmo com uma
espécie de conselho de administração.
Num
dos trechos de gravações revelados pelo Ministério Público, o chefe da
organização se vangloria de haver disciplinado as execuções de inimigos e
dissidentes, destacando o papel moderador da quadrilha em disputas entre
criminosos, e acusa o governador Geraldo Alckmin de se apropriar dos
indicadores de queda da violência. “Então quer dizer que os homicídios caíram
não sei quantos por cento e aí vejo o governador chegar lá e falar que foi
ele…”, diz o chefão.
Mesmo
com os cuidados demonstrados pelos criminosos em suas conversas telefônicas, o
trabalho minucioso de organização dos conteúdos permitiu aos investigadores
traçar um mapa desse poder paralelo. Ainda assim, não há garantias de que esse
trabalho resulte em uma ação mais efetiva do Estado contra os criminosos.
Primeiro,
porque o Judiciário não acompanha necessariamente o empenho do Ministério
Público em desarticular o bando, já que a Justiça precisa analisar
individualmente as 175 acusações e isso leva tempo, dando vantagens aos
advogados dos bandidos. Segundo, porque, conforme revela a própria
investigação, a quadrilha conta com muitos aliados dentro do aparato policial.
Jabuti não sobe em árvore
Esse
é o ponto em que se percebe uma fissura na reportagem do Estado de S. Paulo,
muito provavelmente originada na carência de informações sobre esse aspecto
fundamental do fenômeno social chamado crime organizado.
São
poucas as possibilidades de se consolidar, sob os narizes da polícia, uma
organização tão poderosa e sofisticada, sem que um contingente importante do
setor de Segurança Pública tenha se omitido ou contribuído para isso. Portanto,
uma investigação desse porte não se completa se não desvendar as relações entre
o crime e o poder público.
Como
se diz popularmente, se o jabuti está no alto da árvore, foi porque alguém o
colocou lá.
Segundo
a reportagem, o Ministério Público Estadual flagrou toda a cúpula do PCC “numa
rotina interminável de crimes” – ordenando assassinatos, encomendando armas e
toneladas de cocaína e maconha. São crimes que se produzem continuamente, como
parte do dia a dia desses personagens, sob o rigoroso comando dos chefes que se
encontram reclusos em presídios de alta segurança.
Como
explicar que possam agir com tanta organização e eficiência? Cavalo não desce
escada, como diria o falecido colunista Ibrahim Sued, do Globo, para argumentar
que certas coisas nunca mudam.
Relações
deletérias entre o crime e a polícia são quase uma marca dos sistemas de
segurança em todo o mundo. Na Itália, foi preciso criar uma verdadeira operação
de guerra, que acabou sacrificando alguns dos melhores quadros da polícia e do
judiciário, para colocar sob algum controle o poder paralelo da máfia. No
Brasil, a corrupção de agentes públicos pelo crime organizado é uma chaga que
contamina a eficiência de todo o aparato da polícia e da Justiça.
Falta
um trecho importante no texto do jornal paulista, que talvez esteja sendo
guardado pelo Ministério Público para uma ação mais eficiente no futuro:
aquelas informações sobre o lado oficial do crime, onde se conta a história das
omissões do Estado e parcerias com agentes públicos.
Talvez
numa próxima reportagem.
Como
se sabe, jabuti não sobe em árvore e cavalo não desce escada.
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